"E então, é a vez de Fred. Ele inclina-se para baixo e tira algo que escondeu
debaixo da cama. Nunca antes recebera um presente de Fred. A mãe abre a boca de
surpresa. Boletta endireita bruscamente as suas costas recurvadas. Fred coloca
um presente enorme, quadrado, em cima do edredão. - Parabéns - disse ele. Quase
não tenho coragem de o abrir. Quero esperar. Quero guardar este momento, mas
ainda não sei o que é e pode ser qualquer coisa ou o que quero que seja. Fred
comprou um presente para mim. Para Branun de Fred. Finjo que não reparo. Branun
é o meu nome. O risco no chão foi apagado. Apalpo o pacote. É duro. Ouve-se um
barulho metálico quando o sacudo. A mãe começa a ficar impaciente. Fred ri-se. -
Não são granadas-diz. Tiro o papel. É uma máquina de escrever. Eu tenho de
fechar os olhos e abri-los de novo. É uma máquina de escrever
Diplomata, com uma mala para a transportar e três espaçamentos de
linhas. Boletta bate com a bengala na parede. A mãe tem o rosto sombrio e
suspeitoso, mas a alegria dentro dela é maior e bate palmas, porque este momento
não se deve apagar. - Agora só te falta onde escrever - susurra, quase comovida.
Fred aponta para a mesa. Aí já está um maço de folhas brancas. - Agora só falta
algo sobre o que escrever - disse ele. Eu levanto-me. Pego na mão de Fred. - Da
próxima vez vou dar-te a coisa mais bonita que tenho - disse eu. Fred olha
surpreendido para mim. - E o que é isso? - pergunta ele. Mas eu ainda não sei.
- Muito obrigado - disse eu apenas. Fred sorri agora. - Ok, Barnun. - E ele
solta a minha mão e vai-se embora."
Excerto do livro "Meio-irmão" de Lars
Saabye Christensen.
O primeiro livro deste ano. Uma história, um romance,
que demorei algum até me decidir a ler. Inevitavelmente as minhas preferências
recaiem sobre sobre bibliografias, histórias de gente real. Mas este livro
fez-me recordar que um bom livro, uma boa história, sabe prender-nos.
A
história de Barnun, da familia de Barnun, contada por ele. O pequeno Barnun,
pequeno em altura e, muitas vezes, também em carisma. A história de Vera, mãe de
Barnun e de Fred, meio-irmão de Barnun. Fred, fruto de uma violação, é o eterno
rebeldo. A história da Velha, bisavó de Barnun e Fred, do seu romance fugaz mas
eterno, de Boletta, resultado desse amor e mãe de Vera.
A história também
de Arnold Nielsen, pai de Barnun, com quem inicialmente simpatizamos, mas de
quem nunca sabemos nada, a não ser aquela sensação de que não é um homem bom. E
também a história de Peder e de Viviam.
Todas as histórias, encontros,
separações e reencontros entre cada uma destas personagens. Todas as histórias
não contadas, mas percepcionadas, envolvente sem dúvida
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