domingo, fevereiro 24, 2013

Dentro do Segredo - Uma viagem na Coreia do Norte

" Às vezes, tenho medo de estar a criar uma distância insuperável entre mim e as pessoas que me são queridas. O perigo não é a distância físicaa, os milhares de quilometragem que muitas vezes nos separam, o perigo é deixarmos de nos entender.
Mesmo ausentes, continuamos a existir em todos os momentos.
Calculo a diferença horária e lembro-me das pessoas que me são queridas, telefono à minha familia, mas os lugares onde estou, aquilo que ouço e aprendo é muito diferente dos lugares onde eles estão, daquilo que ouvem e aprendem. A experiência que temos do mundo diverge cada vez mais. Utilizamos palavras, são as mesmas, mas têm significados diferentes.
Tenho medo de deixar de entender a minha mãe, tenho medo que ela deixe de me entender a mim. Encontramo-nos na cozinha da casa da minha irmã, ou em almoços de domingo, ou no Natal. Falamos ao telefone:
Está tudo bem?
Cá vamos andado, responde ela e respondo eu. O que significa aquilo que não dizemos?
Tenho medo que os meus filhos nunca cheguem a entender aquilo que lhes conto quando ficamos em silêncio, quando o tempo passa e estamos juntos, no mesmo lugar, eu a conduzir em viagens longas com horizante e eles, ao meu lado, a olharem pela janela, ou quando é fim da tarde, também com horizonte, em silêncio."

In "Dentro do Segredo - Uma viagem na Coreia do Norte" de José Luís Peixoto.

Milena - IV

"[Milena] escreveu um dia: ' Quando temos uma ou duas pessoas, que digo eu, quando temos uma única pessoa com a qual nos podemos mostrar  fracas, infelizes, desanimadas e que, do mesmo modo, não mos faça sofrer, então somos ricos. Só podemos exigir indulgência àquele ou àquela que nos ame, mas nunca a outras pessoas, e sobretudo nunca a nós próprios."

In "Milena" de Margarete Buber- Neumann

Milena - III

"Era muitas vezes o comportamento de uma detida que fazia com que lhe batessem ou não. Pode dizer-se, sem exagero, que numerosos rostos, com as suas expressões amedrontadas e sevis, atraiam os maus tratos das SS. "É a própria essência da angústia", dizia Milena, "não se pode ficar parado ... Simplesmente ficando de pé, enfrento com toda a calma os que não conheço, preparo-me para enfrentar esse desconhecido ... Mas, para poder fazê-lo, é preciso força; e esta força, o indivíduo só a tem enquanto não separar o seu destino do dos outros, enquanto não perder de vista o essencial, enquanto tiver a consciência profunda de pertencer a uma comunidade. A partir do momento em que ele é apenas uma consciência isolada, procura na sua alma um protexto para se evadir. A solidão talvez seja a maior maldição que existe sobre a Terra ..."

In "Milena" de Margarete Buber - Neumann

Milena - II

"Um dia em que falávamos de homens, em Ravensbruck, Milena disse-me amargamente e com uma entoação autocrítica - ' Foi sempre o meu destino apenas ter podido amar homens fracos. Nenhum deles tomou conta de mim, ou simplesmente me acarinhou. É o castigo em que incorre uma mulher quando tem demasiada iniciativa. É uma coisa que os homens gostam durante pouco tempo, mesmo os fracos. Depois da mulher independente, procuram outra, tipo bonequinha frágil que amua, se senta no sofá com as mãos sobre os joelhos e os olha cheia de admiração. A maior parte das que me sucedem eram deste género. Foi assim que vi transformarem-se miraculosamente os meus homens desprovidos de qualquer sentido prático, imaturos - mas tão espirituais. Para a sua nova mulher, subiam e desciam escadas, procuravam alojamento, corriam dum escritório para o outro à procura de documentos, escreviam cartas oficiais. Até começavam a ganhar dinheiro!"

In "Milena" de Margarete Buber - Neumann

Milena - I

"Ao homem com "qualidades eminentes", Milena opõe, neste texto, o homem verdadeiramente bom, o que significa , para si, Franz Kafka. Escreve:
'Penso que o melhor homem que jamais conheci foi um estrangeiro que encontrei muitas vezes em sociedade. (...) Ninguém sabia grande coisa a seu respeito, e as pessoas não o consideravam uma personalidade extraordinária. Um dia, alguém lhe levantou uma acusação e ele não se defendeu. Tinha um rosto tão honesto, tão viril ... A acusação que lhe faziam era grave: eu não quis acreditar. Fazia-me um mal terrivel que este homem de rosto franco, olhos tranquilos e olhar tão directo, tivesse podido cometer qualquer acto tão feio. Decidi, pois, indagar sobre o que verdadeiramente se passara. Descobri, então, que ele não se defendera porque isso o obrigava a revelar uma acção infinitamente bela e nobre que praticara e da qual, outro que fosse, não deixaria de se vangloriar. (...) Dei-me conta que de que ele era o ser mais notável que já encontrara e, em toda a minha vida, nada me comoveu tanto como as pequenas incursões que me foi permitido fazer ao seu coração. Era de uma nobreza infinita, mas escondia-se, como se tivesse vergonha, creio, de ser melhor do que os outros. Era incapaz de fazer o que quer que fosse que revelasse como ele era verdadeiramente; o que ele fazia de belo, fazia-o silenciosa, tímida, receosa e secretamente, às escondidas. (...) Na altura da sua morte li nu, dos seus diários a descrição de uma cena que remonta à sua juventude - um dia a sua mãe dera-lhe uma moeda de vinte hellers (...) Saiu para comprar qualquer coisa e encontrou uma mendiga com um ar tão pobre que ficou assombrado; imediatamente sentiu um forte desejo de lhe oferecer a sua moeda de vinte hellars. Mas, nessa época, uma moeda de vinte hellers representava uma pequena fortuna, quer para uma mendiga, quer um rapazinho. Receoso dos louvores e dos agradecimentos com que a mendiga o submergiria, temeroso de assim chamar a atenção, decidiu, pois, trocar a moeda por dez kreuzers. Depois, deu um kreuzer à mendiga, deu a volta ao quarteirão, regressou pelo outro lado, ofereceu-lhe um segundo kreuzer, e assim sucessivamente, dez vezes, dando-lhe as suas dez moedas, não guardando sequer uma única para si. Depois, desatou a soluçar, totalmente arrasado pela tensão mental a que esta acção o obrigara".

Excerto de "Milena" de Margarete Buber-Neumann

Quem mexeu no meu queijo?

Outro que já li. Já tinha iniciado há algum tempo, agora tive  nova oportunidade. Uma daquelas sugestões da Tertúlia.

Crónica dos bons malandros

Também li ou Já li. Só queria registar. Lê-se bem, leitura bem disposta. Mas não é o meu tipo de leitura.

sábado, fevereiro 23, 2013

Meio-irmão

"E então, é a vez de Fred. Ele inclina-se para baixo e tira algo que escondeu debaixo da cama. Nunca antes recebera um presente de Fred. A mãe abre a boca de surpresa. Boletta endireita bruscamente as suas costas recurvadas. Fred coloca um presente enorme, quadrado, em cima do edredão. - Parabéns - disse ele. Quase não tenho coragem de o abrir. Quero esperar. Quero guardar este momento, mas ainda não sei o que é e pode ser qualquer coisa ou o que quero que seja. Fred comprou um presente para mim. Para Branun de Fred. Finjo que não reparo. Branun é o meu nome. O risco no chão foi apagado. Apalpo o pacote. É duro. Ouve-se um barulho metálico quando o sacudo. A mãe começa a ficar impaciente. Fred ri-se. - Não são granadas-diz. Tiro o papel. É uma máquina de escrever. Eu tenho de fechar os olhos e abri-los de novo. É uma máquina de escrever Diplomata, com uma mala para a transportar e três espaçamentos de linhas. Boletta bate com a bengala na parede. A mãe tem o rosto sombrio e suspeitoso, mas a alegria dentro dela é maior e bate palmas, porque este momento não se deve apagar. - Agora só te falta onde escrever - susurra, quase comovida. Fred aponta para a mesa. Aí já está um maço de folhas brancas. - Agora só falta algo sobre o que escrever - disse ele. Eu levanto-me. Pego na mão de Fred. - Da próxima vez vou dar-te a coisa mais bonita que tenho - disse eu. Fred olha surpreendido para mim. - E o que é isso? - pergunta ele. Mas eu ainda não sei. - Muito obrigado - disse eu apenas. Fred sorri agora. - Ok, Barnun. - E ele solta a minha mão e vai-se embora."
Excerto do livro "Meio-irmão" de Lars Saabye Christensen.

O primeiro livro deste ano. Uma história, um romance, que demorei algum até me decidir a ler. Inevitavelmente as minhas preferências recaiem sobre sobre bibliografias, histórias de gente real. Mas este livro fez-me recordar que um bom livro, uma boa história, sabe prender-nos.

A história de Barnun, da familia de Barnun, contada por ele. O pequeno Barnun, pequeno em altura e, muitas vezes, também em carisma. A história de Vera, mãe de Barnun e de Fred, meio-irmão de Barnun. Fred, fruto de uma violação, é o eterno rebeldo. A história da Velha, bisavó de Barnun e Fred, do seu romance fugaz mas eterno, de Boletta, resultado desse amor e mãe de Vera.

A história também de Arnold Nielsen, pai de Barnun, com quem inicialmente simpatizamos, mas de quem nunca sabemos nada, a não ser aquela sensação de que não é um homem bom. E também a história de Peder e de Viviam.

Todas as histórias, encontros, separações e reencontros entre cada uma destas personagens. Todas as histórias não contadas, mas percepcionadas, envolvente sem dúvida