sábado, fevereiro 23, 2013

Meio-irmão

"E então, é a vez de Fred. Ele inclina-se para baixo e tira algo que escondeu debaixo da cama. Nunca antes recebera um presente de Fred. A mãe abre a boca de surpresa. Boletta endireita bruscamente as suas costas recurvadas. Fred coloca um presente enorme, quadrado, em cima do edredão. - Parabéns - disse ele. Quase não tenho coragem de o abrir. Quero esperar. Quero guardar este momento, mas ainda não sei o que é e pode ser qualquer coisa ou o que quero que seja. Fred comprou um presente para mim. Para Branun de Fred. Finjo que não reparo. Branun é o meu nome. O risco no chão foi apagado. Apalpo o pacote. É duro. Ouve-se um barulho metálico quando o sacudo. A mãe começa a ficar impaciente. Fred ri-se. - Não são granadas-diz. Tiro o papel. É uma máquina de escrever. Eu tenho de fechar os olhos e abri-los de novo. É uma máquina de escrever Diplomata, com uma mala para a transportar e três espaçamentos de linhas. Boletta bate com a bengala na parede. A mãe tem o rosto sombrio e suspeitoso, mas a alegria dentro dela é maior e bate palmas, porque este momento não se deve apagar. - Agora só te falta onde escrever - susurra, quase comovida. Fred aponta para a mesa. Aí já está um maço de folhas brancas. - Agora só falta algo sobre o que escrever - disse ele. Eu levanto-me. Pego na mão de Fred. - Da próxima vez vou dar-te a coisa mais bonita que tenho - disse eu. Fred olha surpreendido para mim. - E o que é isso? - pergunta ele. Mas eu ainda não sei. - Muito obrigado - disse eu apenas. Fred sorri agora. - Ok, Barnun. - E ele solta a minha mão e vai-se embora."
Excerto do livro "Meio-irmão" de Lars Saabye Christensen.

O primeiro livro deste ano. Uma história, um romance, que demorei algum até me decidir a ler. Inevitavelmente as minhas preferências recaiem sobre sobre bibliografias, histórias de gente real. Mas este livro fez-me recordar que um bom livro, uma boa história, sabe prender-nos.

A história de Barnun, da familia de Barnun, contada por ele. O pequeno Barnun, pequeno em altura e, muitas vezes, também em carisma. A história de Vera, mãe de Barnun e de Fred, meio-irmão de Barnun. Fred, fruto de uma violação, é o eterno rebeldo. A história da Velha, bisavó de Barnun e Fred, do seu romance fugaz mas eterno, de Boletta, resultado desse amor e mãe de Vera.

A história também de Arnold Nielsen, pai de Barnun, com quem inicialmente simpatizamos, mas de quem nunca sabemos nada, a não ser aquela sensação de que não é um homem bom. E também a história de Peder e de Viviam.

Todas as histórias, encontros, separações e reencontros entre cada uma destas personagens. Todas as histórias não contadas, mas percepcionadas, envolvente sem dúvida

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